segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Espaço Educação: Tempo Desrespeitado

por Juliano Carrer
 - cocalcomunitario@gmail.com

Neste final de semana ajudei na condução de um curso para jovens e uma das coisas que chama muita a atenção na proposta do curso que fizemos é o tempo, sim o tempo. Mas não um tempo qualquer. Era um tempo totalmente cronometrado, totalmente "controlado". Para cada atividade que se pedia para os jovens realizarem se dizia o tempo exato que podiam utilizar.

No começo era mais difícil respeitá-lo. Mas na medida em que se ia treinando esse controle do tempo, melhor os jovens iam ficando nisso. Incrível como estamos acostumados a desrespeitar o tempo. E desrespeito ao tempo pode trazer sérias consequências em nossas vidas.

Já dizia Rubem Alves, "o essencial faz a vida valer a pena". E quem não cuida do tempo das coisas pode acabar por deixar o essencial de lado, viver das futilidades, viver de desencontros com a felicidade. Existe até aquela história do vaso cheio de pedras em que se pergunta para a plateia se ele está totalmente preenchido. Alguns dizem que sim e outros dizem que não. Mesmo com o vaso cheio de pedras consegue-se adicionar ainda terra entre os espaços das pedras. Assim são as coisas da nossa vida. As pedras são aquilo que é essencial e a areia é a superficialidade. Todos somos um pouco superficiais, entretanto devemos tomar cuidado para não preenchermos nosso vaso com apenas areia, pois desse jeito não conseguiremos adicionar as pedras depois. E o tempo, onde entra nessa história? Ele é que permite organizarmos melhor quando colocaremos as pedras. Sem controle do tempo corremos o risco de sermos preenchidos pela superficial areia.

Se não separamos tempo para cada coisa, algumas delas podem ficar de fora de nossas vidas. Se queremos muito, por exemplo, construir um horta é preciso que separemos tempo para tal atividade. Se não sabemos como plantar, precisamos primeiro aprender. E depois separar tempo para plantar efetivamente. E claro, de que adianta cultivar um horta se não a mantivermos. Logo é preciso incluir no planejamento o tempo para o cultivo... Para o replantio.

Não digo que devemos respeitar o controle do tempo a qualquer custo, é preciso sim, às vezes, extrapolar o tempo que tínhamos previsto para determinado coisa, assim como por vezes é preciso encurtar o tempo que havíamos separado para determinado assunto. Por exemplo, às vezes separamos tempo para ler determinado livro e não conseguimos terminá-lo, respeitar o tempo seria parar de ler sem terminá-lo. E a vida não pode ser totalmente cronometrada, mas existe quem diga que sem o mínimo controle caíamos no erro da superficialidade.

Faço um convite para você separar tempo e ler essa história de vida do Rubem Alves, que tem um pezinho nesse assunto que tratei, mas que vai muito além dessa reflexão:

“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio. Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que, apesar da idade cronológica, são imaturos. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos a limpo”. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral. Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: “as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos“. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa…
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de Deus. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.
O essencial faz a vida valer a pena”. (Rubem Alves)

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